Depois de tentar controlar a publicidade de bebidas alcoólicas e alimentos industrializados, a Anvisa se volta agora contra as empresas que vendem remédios isentos de prescrição
Lia Lubambo
Farmácia em São Paulo: a marca do medicamento é determinante na escolha do consumidor
Revista EXAME -
Os últimos quatro meses têm sido especialmente difíceis para Sálvio Di Girólamo, secretário-geral da entidade que reúne os fabricantes de medicamentos isentos de prescrição médica, a Abimip. Desde o final de 2008, ele perambula pelos corredores de Brasília na tentativa de reduzir os efeitos de uma resolução recém-publicada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e que deve entrar em vigor a partir de junho. O mais duro golpe para o setor serão as restrições à publicidade. Segundo a nova regra, celebridades não poderão mais indicar o uso de remédios como analgésicos e antitérmicos, e o merchandising desses produtos será proibido. Além da propaganda, as restrições da agência se estendem a outras atividades, como a distribuição de brindes e amostras grátis, peça importante da estratégia de marketing dos laboratórios. Na esperança de impedir que as medidas entrem em vigor, Di Girólamo já se reuniu com diretores da Anvisa e levou 25 empresários e executivos do setor para conversar com o presidente da agência. Também se encontrou com o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Miguel Jorge, e agora, numa tentativa derradeira, espera por um encontro com a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff. "A resolução vai desmontar o modelo de negócios da indústria", diz Di Girólamo.
O setor de medicamentos isentos de prescrição (conhecidos pela sigla MIP) movimentou 8 bilhões de reais no ano passado, o correspondente a 30% de todo o mercado farmacêutico no Brasil. São considerados produtos de baixo risco à saúde e, por isso, dispensam receita médica - o próprio paciente pode escolher o seu nas gôndolas das farmácias. Nesse sentido, esses medicamentos seguem a lógica dos bens de consumo: a força da marca é determinante para que um consumidor escolha um comprimido em detrimento de outro parecido. Com as restrições à propaganda, os laboratórios perdem uma arma importante na disputa por mercado. Em 2008, as empresas farmacêuticas investiram 1,2 bilhão de reais em publicidade. Obviamente que, por se tratar de medicamentos, o setor obedece a algumas restrições. Hoje, os anúncios de medicamentos devem ser acompanhados da mensagem "A persistirem os sintomas, o médico deverá ser consultado" e os produtos só podem ser vendidos em farmácias. Para a Anvisa, porém, essas medidas não são suficientes. Quando a nova lei entrar em vigor, a propaganda da aspirina, por exemplo, deverá esclarecer que se trata de um produto não recomendado em caso de gravidez, gastrite, úlcera do estômago e suspeita de dengue ou catapora. "São mensagens que não educam o consumidor, mas o aterrorizam", diz Di Girólamo.
Esta não é a primeira vez que a Anvisa entra em embate com a indústria. Nos últimos dois anos, a agência ameaçou publicar duas regulamentações semelhantes à de medicamentos, relacionadas aos setores de bebidas alcoólicas e de alimentos industrializados. Nos dois casos, a indústria questionou a competência legal da agência para esse tipo de regulamentação, o que levou a Anvisa a recuar e modificar sua estratégia (veja quadro na página seguinte). Apesar do descontentamento generalizado das empresas envolvidas, é indiscutível que as medidas da Anvisa têm alto impacto na opinião pública. Uma boa amostra disso é o apoio incondicional das entidades de defesa dos direitos do consumidor às restrições. Mais de 20 dessas organizações - entre elas o barulhento Idec - defendem as medidas. Algumas delas acham que as medidas poderiam ser até mais severas. O fato é que esse tipo de controle, de uma forma ou de outra, tem sido uma política prioritária do Ministério da Saúde. O ministério não só apoia como também estimula ativamente a ação da Anvisa. O próprio ministro José Gomes Temporão se preocupa com o assunto desde os tempos de estudante. Sua tese de mestrado na Fundação Oswaldo Cruz, de 1984, por exemplo, chama-se "A propaganda de medicamentos e o mito da saúde".
As sucessivas tentativas de restrição à publicidade de bebidas, alimentos e medicamentos por parte do governo não são um fenômeno exclusivo do Brasil. Elas seguem uma tendência mundial de controlar cada vez mais a maneira como essas empresas se comunicam com os consumidores. O objetivo é restringir o consumo descontrolado desses produtos e evitar eventuais riscos à saúde. A relação direta entre a publicidade e os exageros no consumo, porém, é questionável. Quanto aos medicamentos, a maioria das intoxicações registradas no Brasil acontece ou em casos de suicídio ou em crianças menores de 4 anos. Ou seja: a influência da propaganda nesses dois públicos foi perto de zero. Atualmente, nos Estados Unidos, há um grande embate sobre a influência da publicidade nos problemas de obesidade da população. Mas será que as propagandas de biscoitos, batatas e guloseimas em geral são as vilãs ou o culpado é o estilo de vida do consumidor? Na dúvida, a própria indústria alimentícia americana tem se adiantado às discussões (e proibições) e vem criando mecanismos de autofiscalização. Quinze das maiores companhias de alimentos com atuação no país concordaram em dedicar metade de seus anúncios voltados para crianças para promover a alimentação saudável.
No Brasil, o Conselho de Autorregulamentação Publicitária (Conar) possui códigos de conduta específicos para os setores de alimentos, bebidas alcoólicas e medicamentos. Um exemplo da firmeza do órgão são as mensagens de consumo responsável veiculadas em anúncios de cerveja - todas foram criadas sem a interferência do governo. Só no ano passado, o Conar tirou de circulação 180 anúncios. Entre eles, a inserção da logomarca do Danoninho, da multinacional francesa Danone, no canal infantil Cartoon Network. Além disso, todos os envolvidos na veiculação (a agência, o canal e a empresa) receberam advertência do órgão. Pelas regras do Conar, é terminantemente proibido fazer merchandising em programação artística voltada para crianças. "Pela nossa experiência, o sistema que combina legislação e autorregulamentação funciona muito bem", diz Gilberto Leifert, presidente do Conar. Diante disso, será que outras regras são necessárias? Di Girólamo, o representante dos medicamentos sem prescrição, vai a Brasília dizer que não.
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FONTE: EXAME - Por Melina Costa | 16.04.2009 | 00h01
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