Começando na linha de produção, das fábricas, passando pelos caminhões que levam aos distribuidores e até o momento da venda no balcão das farmácias, o percurso das caixinhas será monitorado. Governo e fabricantes acreditam que, assim, terão um poderoso instrumento para controlar os medicamentos vendidos no país, evitando a sonegação, coibindo o roubo de cargas e a venda ilegal de medicamentos. O preço do rastreamento, porém, tende a ser diluído por toda a cadeia, desde o fabricante até o comprador. Ou seja, deve sobrar para o consumidor, pelo menos, parte da conta.
A decisão de rastrear os remédios foi tomada em março pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Ontem, terminou a consulta pública para a apresentação de críticas e sugestões sobre os requisitos mínimos para definir como será o monitoramento e autenticação dos remédios.
O Brasil largou na frente e foi o primeiro país a discutir o tema, mas não está sozinho. Duas semanas depois do início da consulta pública local, a União Européia e os Estados Unidos lançaram consultas semelhantes.
— É uma tendência mundial e poderemos trabalhar com americanos e europeus nesse sistema — diz Dirceu Raposo, presidente da Anvisa.
A preocupação dos governos, da indústria e de entidades de defesa do consumidor e da ética é o crescimento exponencial dos crimes ligados aos medicamentos. De acordo com o Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (Etco), a informalidade no setor é alarmante. No Brasil, a sonegação é de 10% sobre o faturamento das empresas, o equivalente a US$ 1 bilhão. No mundo, 30% dos princípios ativos de remédios vendidos são falsificados.
Também está aumentado a incidência de medicamentos falsificados no Brasil, a maioria originada do Sudeste da Ásia. Os números relativos ao roubo de cargas como um todo cresce anualmente, boa parte mirando caminhões com remédios.
Sistema deve começar em 2009
Por razões estratégicas, a indústria não revela o quanto perde com os assaltos, mas o presidente da Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma), Gabriel Tannus, tem um indicador da dimensão do problema: — As companhias seguradoras se negam a fazer seguro de carga farmacêutica se o transporte não for monitorado por satélite e seguido por escolta armada.
A idéia é colocar algum tipo de instrumento nas embalagens — código de barras, de pontos, números, ou chips — que identificará o medicamento e pode ser enviado via internet ou radiofreqüência para um computador central do fabricante, que armazenará os dados. A Anvisa terá acesso às informações sempre que achar necessário.
Em 30 dias, a agência pretende analisar as sugestões apresentadas na consulta pública. Até o fim de abril, 57 contribuições haviam sido enviadas. A meta da Anvisa é implantar o sistema no primeiro semestre do ano que vem.
A medida foi sugerida pelo Instituto Etco, cuja inspiração veio do sistema de controle de vazão implantado pela Receita Federal nas cervejarias, que praticamente acabou com a sonegação do setor. Para o presidente do instituto, André Franco Montoro Filho, ao ser implantado, o sistema terá um efeito cascata de boas notícias. O poder público — particularmente estados e municípios — recupera arrecadação sonegada, as autoridades sanitárias melhoram o controle de medicamentos com reflexos na saúde pública, a indústria deixa de arcar com perdas de roubo e com a concorrência desleal e os consumidores passam a ter a garantia de comprar um remédio de qualidade.
— Será um sistema ganha-ganha.
A medida não vai conseguir acabar com todas as irregularidades, mas é um passo importante para contê-las — resume Montoro.
Cálculos ainda preliminares sinalizam que esse processo custará R$ 70 milhões por ano, já que o custo estimado é de R$ 0,06 por unidade vendida. No Brasil, comercializa-se 1,4 bilhão de embalagens por ano.
De acordo com Dirceu Raposo, da Anvisa, as empresas vão reduzir as despesas que têm hoje com seguro, escolta e medidas de segurança já adotadas. É o caso das "raspadinhas" que vêm em caixas de remédios e o selo de vedação das embalagens. Essa redução de custo compensará o investimento no rastreamento.
Anvisa não quer repasse de custo
A divisão do custo deve ser a parte mais polêmica do processo. Afinal, a Anvisa não quer que a conta sobre para o consumidor. Atualmente, cerca de 70% dos medicamentos têm seus preços controlados e nesta relação estão os mais visados por falsificadores e ladrões. Os outros 30% podem ser majorados de acordo com o interesse do fabricante. O presidente da Anvisa já tem a resposta: — A indústria, que terá menos gastos, deverá pagar a conta.
Mas Gabriel Tannus, da Interfarma, admite que o custo tende a ser diluído na cadeia e poderá sobrar para o consumidor.
— Não vamos ser ingênuos. Vai ter custo e temos de encontrar uma forma de dividi-lo. Talvez o consumidor pague uma pequena parte da conta.
FONTE : O Globo \ Panews
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