Apreensiva com o desenrolar da crise financeira enfrentada por um grande atacadista, a indústria farmacêutica avalia que chegou a hora de ajudá-lo. Fabricantes estão dispostos a socorrer a Athos Farma, evitando que uma dívida de curto prazo sufoque a quarta maior distribuidora de medicamentos do país.
A intenção é aceitar o plano de reestruturação de dívida com fornecedores da Athos, alongando prazos e reduzindo seus custos. Avaliações extraoficiais indicam que a dívida da atacadista esteja acima de R$ 50 milhões. Um grupo de bancos, liderados por Santander, HSBC, Banco Votorantim e Itaú BBA, está à frente da operação.
"Criamos uma situação de dependência muito grande nas mãos de poucos atacadistas", diz o presidente de uma grande farmacêutica, que prefere manter-se no anonimato. "Foi um erro, mas é melhor salvar a Athos do que deixar agonizando."
Nas últimas semanas, entrevistas com quase uma dezena de executivos de fabricantes de medicamentos, entre nacionais e multinacionais, representantes de distribuidoras e consultores ajudaram a pintar um retrato da situação financeira da Athos Farma, empresa não-listada na Bolsa de Valores. Procurados, os bancos não quiseram comentar o assunto. O Valor fez três pedidos de entrevista à Athos, mas não obteve retorno.
As empresas atacadistas movimentam grande volume de mercadorias, faturam alto (a receita bruta da Athos é superior a R$ 2 bilhões), mas operam com margens pequenas, entre 2% e 3%, insuficientes para gerar caixa para liquidar uma dívida deste tamanho, em especial de curto prazo.
O quadro retratado pelas fontes indica que a Athos enfrenta escassez de capital de giro, tem pago alguns títulos em cartório e vem recebendo cada vez menos mercadorias dos fornecedores. Farmacêuticas estrangeiras só vendem à vista ou com fiança bancária. Alguns laboratórios nacionais têm esticado suas linhas de crédito, mas de forma cautelosa.
Funcionários têm visto as atividades definharem. Centros de distribuição, como Brasília e Serra (ES), estão vazios sem medicamentos para pronta entrega às farmácias. Numa página do site de relacionamento do Orkut, uma sondagem realizada pelos integrantes da comunidade Athos Farma pede para que votem sobre qual das filiais será fechada e se a empresa irá falir. "Vamos escapar desta", diz um funcionário num 'post'.
A Athos, controlada pela família Athouguia Dias, cresceu muito rápido nos últimos anos tentando aproveitar uma transformação no mercado de distribuição. Mas a falta de disciplina na gestão financeira trouxe complicações, segundo fontes.
A indústria procura salvar a Athos para evitar ainda mais a dependência dos negócios em poucos atacadistas - os quatro maiores giram mais de 45% do volume de medicamentos fabricados por 50 grandes indústrias. As três primeiras são Panarello, Santa Cruz e Profarma
A Athos foi uma das escolhidas no início da década pelos fabricantes de medicamentos para mudar o panorama de distribuição de medicamentos no país. Até então, prevaleciam várias empresas, em um mercado fragmentado e regionalizado, convivendo com vários regimes tributários, onde a venda sem nota fiscal era estimulada.
Selecionada, a Athos, resultado da fusão da Intermed (fundada em 1962 pela família Dias) e da Ita Representações em 2002, cresceu e aproveitou o movimento de consolidação incentivado pela indústria. Gestão, escala de distribuição, eficiência e estrutura de custos passaram a ser priorizados no negócio da atacadista com vista a abertura de capital.
Ao mesmo tempo em que organizava a empresa, a família Dias, que possuía cerca de um terço da empresa, decidiu comprar a participação dos demais sócios. Segundo apurou o Valor, a operação foi realizada com recursos bancários de curto prazo, ajudando a elevar o endividamento.
A Athos, cuja sede administrativa fica em Belo Horizonte e a presidência no Rio de Janeiro, possui 17 centros de distribuição - os mais antigos ficam no Nordeste, Sudeste e Centro-Oeste. Para ampliar a abrangência no Sul do país, fechou em maio de 2007 acordo para a compra de 51% da ANB Farma, uma distribuidora de porte médio, localizada no Rio Grande do Sul. A operação exigiu mais caixa.
A partir daí, os problemas foram se agravando. Depois de ver a rival Profarma estrear no fim de 2006 na Bolsa de Valores, captando mais de R$ 300 milhões, o lançamento de ações no mercado de capitais ficou desfavorável, e a Athos Farma passou a enfrentar dificuldades para rolar sua dívida com os bancos.
Em agosto de 2008, Luciana Dias, acionista e presidente da Athos, anunciou acordo com Alliance Boots, maior rede de varejo e distribuição da Inglaterra, para venda de 25% do seu capital. O acordo com os ingleses, que vinha sendo costurado por quatro anos, surgiu como salvação para liquidar as obrigações assumidas durante o ciclo de rápido crescimento.
Mas o dinheiro dos ingleses até agora não apareceu. "Infelizmente, não temos nenhuma novidade sobre a transação", disse por e-mail um porta-voz da Alliance Boots, controlada pelo fundo de investimentos em participações de empresas Kohlberg, Kravis, Roberts & Co. (KKR), cujos negócios também foram afetados pela crise global.
Em setembro de 2008, ainda sob o impacto do anúncio do acordo com a Alliance Boots, a Athos lançou um fundo de recebíveis, no valor de R$ 190 milhões. A operação do Fundo de Investimentos em Direitos Creditórios (Fidc) teria deixado alguns credores bancários satisfeitos por trocar suas dívidas.
Mas, sem cumprir as metas prometidas de gerar novos créditos de recebíveis, o fundo saiu do enquadramento financeiro e foi liquidado no fim de março pelos investidores, três anos e meio antes do prazo acertado.
Agora, a Athos espera a ajuda dos fabricantes de medicamentos. "Em termos operacionais, ela é uma das melhores empresas do setor", diz um presidente de uma grande farmacêutica. "Mas terá de provar que é boa também para resolver os problemas financeiros."
FONTE: VALOR ECÔMICO (André Vieira, de São Paulo) em 14.04.09
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