Mais uma fraude contra os cofres públicos.
A polícia investiga o envolvimento de funcionários do setor farmacêutico numa fraude milionária para lesar os cofres públicos.
Segundo a polícia, os golpistas usam laudos falsos e entram com ações na Justiça para que o estado seja obrigado a comprar medicamentos desnecessários.
Os remédios custam caro, estão fora da lista do Sistema Único de Saúde e eram receitados para pessoas que nem estavam doentes.
Dalton Pereira É representante comercial da Mantecorp, um dos maiores laboratórios farmacêuticos do país. Fábio Marti É gerente da empresa no interior de São Paulo.
Durante nove meses, a polícia acompanhou com autorização da Justiça os negócios que eles faziam. Em um telefonema, eles falam sobre o médico Paulo César Ramos, dermatologista na cidade de Marília.
Dalton: Hoje ele vale para a Mantecorp aproximadamente R$ 8 milhões ao ano e não deve ser tratado como qualquer um.
O médico recebia mesmo tratamento diferenciado. Imagens gravadas pela polícia no dia 29 de julho mostram que Dalton e Fábio visitam a clínica do dermatologista, que estava em reforma. Segundo a investigação, foram eles que pagaram a obra. Por telefone, o médico se mostrava satisfeito.
Médico: Essa semana já os pedreiros acabam de pintar. Vai colocar vidro.
A reforma, diz a polícia, foi só uma das propinas recebidas pelo dermatologista nos últimos dois anos.
Dalton: O Paulo Ramos, a gente deu um jeitinho. Aqueles dez pau lá.
Segundo a investigação, os R$ 10 mil eram para que o dermatologista receitasse um medicamento para psoríase, uma doença inflamatória da pele bastante comum.
“O número de prescrições dele assusta. É o campeão sem sombra de dúvidas da prescrição desses medicamentos”, conta o delegado Fabio Pinha Alonso.
Só que o escândalo era maior. No começo do mês, a policia prendeu o médico, os dois funcionários da empresa e mais seis pessoas, entre elas, dois representantes de duas multinacionais do setor farmacêutico: o laboratório Merck Serono e o Wyeth.
Segundo a polícia, as investigações revelam que os funcionários dessas outras empresas também pagaram propina ao dermatologista.
“A Serono ainda está conseguindo me pagar os retornos. R$ 50 mil que era retorno”, disse o médico.
Esses medicamentos são caríssimos e, dificilmente, a maioria das pessoas não têm acesso e eles, também não são vendidos em farmácia. Para se ter uma idéia, uma dose do remédio chega a custar até R$ 6 mil.
Segundo a polícia, pelo menos R$ 1 milhão saíram dos cofres públicos, em uma fraude com a participação dos médicos e dos representantes dos laboratórios.
“Estão roubando o dinheiro da população, o dinheiro da saúde”, afirma Luiz Roberto Barradas, secretário de Saúde de São Paulo.
Esse esquema ilegal começava em uma ONG, em Marília, a Associação dos Portadores de Psoríase e Vitiligo, outra doença de pele. Pessoas que procuravam a ONG eram encaminhadas para o dermatologista Paulo Ramos.
Segundo a polícia, o médico fazia laudos falsos para justificar o tratamento com os remédios vendidos pelos representantes das três empresas.
Como em São Paulo eles não constam da lista dos medicamentos distribuídos de graça pelo SUS, os advogados da ONG, Guilherme Goffi e Fabiana Noronha, entravam com ações na Justiça.
“Os advogados obtinham liminares e o Estado era forçado a adquirir o remédio e fornecer para aquele paciente”, conta o delegado Fabio Pinha Alonso.
O médico Paulo César Ramos era sempre recompensado. Ele ganhou, por exemplo, passagem e hospedagem para participar de um congresso de dermatologia em Fortaleza, entre os dias 6 e 10 de setembro.
O representante da Merck-Serono concordou em pagar passagem até para a mulher do médico.
“A Márcia, sua esposa, conseguimos uma passagem para ela”, informa, por telefone, Marcio, da Merck Serono.
Funcionários da Mantecorp também queriam bancar a viagem do médico Paulo Ramos para o congresso. Mas o dermatologista teria que arcar com parte das despesas, o que deixou o representante comercial Dalton Pereira indignado. Ele não queria que o médico tirasse um centavo do bolso.
Dalton: É crucial que ele seja tratado de forma diferenciada. Hoje ele vale para a Mantecorp aproximadamente R$ 8 milhões ao ano e não deve ser tratado como qualquer um.
O dermatologista só não viajou porque tinha sido preso. Hoje ele e os outros acusados aguardam julgamento em liberdade.
Fomos à clinica do médico, agora reformada, segundo a investigação, com dinheiro de propina. Paulo César Ramos não quis dar entrevista, m as nossa equipe gravou uma conversa rápida em que o médico se diz enganado.
“Entrei em uma fria dessa aí, na boa intenção”, afirmou ele.
O Fantástico também procurou os outros envolvidos. O único que nos atendeu, por telefone, foi Fábio Marti, gerente da Mantecorp.
Fabio:Não tenho o que falar, amigo.
Fantástico: Mas o senhor nega o envolvimento?
Fabio: Claro.
Em nota, a Mantecorp alega que sempre foi pautada pelo respeito às determinações legais e que não aceita comportamentos que estejam em desacordo com a legislação em vigor. Parte dos medicamentos comprados com dinheiro público estava na Associação dos Portadores de Psoríase e Vitiligo, sem os cuidados necessários, e teve que ser inutilizada.
Muitos pacientes vinham tomando os remédios dos três laboratórios, mesmo sem ter a doença. Pelo menos três sofreram problemas graves de saúde por causa da medicação indevida.
“Eu sou uma das vítimas que tomei a vacina errada”, diz o agricultor Jacinto Von Stein.
Seu Jacinto procurou o médico por causa de manchas na pele. Agora um diagnóstico revelou que as manchas são por causa da causa da exposição ao sol e não devido à psoríase. Mesmo assim, o agricultor recebeu 24 doses do remédio produzido pelo laboratório Merck Serono, por indicação de Paulo César Ramos.
“Deu problema no rim, deu problema de fígado. Falei: pôxa, eu estou com tudo agora”, conta o agricultor.
Em nota, a Merck Serono informa que respeita as leis e que está disposta a colaborar com a Justiça para o esclarecimento dos fatos.
Também em nota, o laboratório Wyeth diz que não reconhece nenhuma das alegações envolvendo o nome da empresa e seus produtos.
Para a polícia, o caso não está encerrado. O prejuízo aos cofres públicos de São Paulo com esse tipo de fraude pode ter passados dos R$ 60 milhões.
“Existem outros medicamentos, outras ONGs que nós continuamos investigando”, afirma Luiz Roberto Barradas.
“Isso foi um desastre, não podia ter acontecido isso”, diz Jacinto Von Stein.