O CONTROLE DOS ANTIBIÓTICOS
Conforme determina a Resolução – RDC nº 44, da Anvisa, a partir de 28 de novembro de 2010, as farmácias e drogarias de todo o Brasil, só poderão dispensar medicamentos a base de substâncias antimicrobianas, com a retenção das receitas médicas. Também determina que as receitas médicas terão um prazo de validade de 10 dias a contar da data de sua emissão. Acentua que as farmácias e drogarias terão o prazo de 180 dias para escrituração e adesão ao SNGPC, (Sistema Nacional de Gerenciamento de Produtos Controlados).
O Anexo a Resolução RDC nº 44, lista 93 antimicrobianos registrados na Anvisa, desde os mais simples como a Oxitetraciclina, a Neomicina e a Penicilina, aos antibióticos mais potentes de última geração. Coloca também o Metronidazol, que apesar de ter ação antimicrobiana, tem atuação predominante como antiparasitário e antihelmíntico. O anexo inclui também a Nistatina, que é um antimicótico que não é absorvido pelo trato gastrintestinal e é excretado quase totalmente com as feses como fármaco inalterado. Não é absorvido quando aplicado de forma tópica sobre a pele ou membranas mucosas intactas, não podendo portanto criar resistência bacteriana.
A justificativa apresentada pela Anvisa para controlar antibióticos é que a população de tanto os tomar por conta própria, cria resistência bacteriana ao uso dos antibacterianos que precise para curar uma infecção grave numa internação hospitalar.
Este argumento pífio da Anvisa, nos faz lembrar que vivemos em um país onde a maioria da população não possue recursos financeiros nem para se alimentar convenientemente, quiçá para se empanturrar de antibióticos com os preços exorbitantes que são praticados no Brasil.
Esquece a Anvisa que vivemos em um país onde o poder público não oferece a população uma assistência médica decente. O cidadão necessitando de uma consulta médica pelo SUS, passa diversos dias ligando para um telefone que só dá ocupado e quando consegue marcar o atendimento, às vezes não é atendido, porque o médico faltou, e terá que voltar ao suplicio do telefone de agendamento para conseguir marcar outra consulta. Isto é no caso de uma consulta de clinica geral. Caso necessite marcar uma consulta para uma especialidade, como ginecologia, cardiologia, oftalmologia, o prazo para atendimento é de três ou quatro meses.
Caso o cidadão necessite de uma intervenção cirúrgica, ele ficará em uma fila, onde alguns pacientes esperam anos para realizá-la, ou morre antes da cirurgia.
A Anvisa quer transferir a responsabilidade do poder público de oferecer uma assistência médica ao povo brasileiro e boas condições sanitárias para evitar as infecções bacterianas, nas UTIs do hospitais (que não possuem água, sabão, papel e álcool gel, para lavar e desinfetar as mãos dos próprios médicos), para a população carente, que será privada de acesso as substâncias antibacterianas, necessárias para debelar um possível quadro infeccioso.
O controle dos antibióticos está sendo criado para dar uma satisfação à sociedade alarmada com o aparecimento da KPC, nomeada de superbactéria, surgida em 2005. Em Pernambuco, com quase nove milhões de habitantes, apenas 10 casos foram registrados e a morte de uma paciente que se encontrava em estado semiterminal. E os nove pacientes hospitalizados estão sendo tratados. Por dez pacientes, quase nove milhões de criaturas terão dificuldades de adquirir medicamentos importantes para curar seus males. Este episódio nos faz lembrar a estória do cidadão que era traído pela mulher, sempre no sofá de sua casa e para resolver o problema, ao invés de se separar da adúltera vendeu apenas o sofá.
Temos em mãos a edição do jornal do Comércio, de 31.10.2010, Caderno Cidades, que traz uma entrevista com o médico infectologista, Dr. Vicente Vaz, competente profissional da medicina de Pernambuco.
Diz o Dr. Vicente Vaz: “A KPC está diretamente relacionada à infecção hospitalar. É para quem está hospitalizado por um tempo prolongado e, geralmente com história de internação em UTI. Não há um risco para a pessoa que está em casa, andando no meio da rua. Não há motivos para pânico. A paciente que faleceu tinha um histórico complicado. Estava há mais de um mês hospitalizada, sofria de Síndrome de Cushing ( doença metabólica causada pelo excesso de hormônio cortisol no sangue) hipertensão crônica e diabetes. Era um quadro muito especifico. Agora nós temos uma dificuldade séria que é a falta de estrutura dos hospitais. Quer ver uma coisa simples, essencial, que não existe? Muitos hospitais não possuem água, sabão e papel, no mesmo lugar, no mesmo espaço físico. Quando tem um, não tem o outro. Outro ponto preocupante é a alta rotatividade dos leitos nas UTIs. São muitos pacientes entrando e saindo, o tempo de desinfecção dos leitos quase não existe. A precariedade do Sistema de Saúde, tem que ser revista. A exigência de álcool gel nos hospitais deveria ser norma básica”.
A infectologista Dra. Ana Paula, também em entrevista ao Jornal do Comércio, diz, “que a resistência do cidadão a antibióticos é criada dentro das próprias UTIs dos hospitais, com antibióticos aplicados pelos próprios médicos e também pela falta de condições de higiene pessoal de todos, sem água, sabão e papel, um desleixo das próprias unidades hospitalares”.
Outro ponto negativo a ser considerado no controle sanitário dos antibióticos é o reduzido número de drogarias que dispensam medicamentos de controle especial. Em Recife, por exemplo, existem 584 drogarias, das quais apenas 150 (25% do mercado) comercializam medicamentos controlados. Deste modo o acesso a este tipo de medicamentos já é um problema para a população consumidora, quando 75% das drogarias deixam de atender o consumidor. Controlar antibióticos com as condições atuais de comercialização de medicamentos de controle especial é uma falta de respeito a uma população ávida de melhores condições de assistência médica.
Deste modo, ao invés de controlar o uso dos antibióticos, caberia ao Governo oferecer à população condições dos hospitais públicos de melhor poder propiciar uma assistência médica hospitalar aos mais necessitados.
Controlar antibióticos, incluindo-os no atual SNGPC, que já funciona de maneira precária com o número atual de produtos, seria uma temeridade e risco de um colapso total no funcionamento deste sistema em futuro próximo, em razão do número de antibióticos ser elevado, segundo informações chegam a 6% do número de medicamentos fabricados.
Quando determina prazo de validade de 10 dias para receita médica, a Anvisa não toma conhecimento que o cidadão de baixa renda não tem recurso para comprar os medicamentos prescritos e às vezes dentro de 10 dias não consegue arranjar dinheiro com os parentes também pobres, que passam pelas mesmas dificuldades que ele.
Ainda assim a Resolução RDC nº 44/2010, da Anvisa, analisada juridicamente, é ilegal e incompatível com a Constituição Federal, segundo opinião de diversos renomados juristas.
O aspecto da ilegalidade se perfaz por absoluta ausência de lei que permita que a agência reguladora tome referida medida drástica em relação à forma de comercialização e distribuição de medicamentos antibióticos no país. Quanto aos aspectos constitucionais, face a péssima estruturação da saúde pública e a incapacidade de atendimento médico, a retenção de receitas de antibióticos se configura negar acesso à saúde para a população. Uma vez que o problema de saúde pública e a precariedade são maiores que o problema de uso inadequado de medicamentos antibióticos no país, caso em que, os efeitos da medida RDC 44/2010 que obriga à retenção de receitas, ainda que louvável a pretensão, considerando a nossa realidade do sistema de saúde no Brasil, podem trazer mais danos à saúde da população, aumentando os focos de contaminação em hospitais já superlotados e mal estruturados, propiciando maiores condições para a produção de resistência das bactérias.
Diante dos fatos acima colocados entendemos que a Resolução RDC nº 44/2010 da Anvisa, deveria ser melhor avaliada e somente implementada quando o país tivesse oferecendo uma assistência médica condizente com as reais necessidades da sua população.
José Cláudio Soares
Presidente – Sincofarma-PE
FONTE: SINCOFARMA-PE